quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Parque Estadual Terra Ronca - Goiás

Gruta Terra Ronca e o formato de coração na entrada
O Parque Estadual Terra Ronca (PETeR) está localizado no estado de Goiás, na divisa com a Bahia e foi criado em 1989. Possui uma área de aproximadamente 57.000 hectares e uma enorme quantidade de cavidades naturais, mais de 200 cavernas sendo apenas algumas abertas para os turistas. É o maior conjunto espeleológico da América do Sul. O lugar é tão sensacional que fui 3 vezes e sempre me encanto! Diz-se que cinco entre as dez maiores cavernas do Brasil estão ali em Terra Ronca.


Terra Ronca 
O Parque fica entre as cidades de Guarani e São Domingos. A 11 km da entrada da caverna Terra Ronca existe um povoado com menos de 200 pessoas chamado São João. De Goiânia até o parque são 600 km e de Brasilia são 400 km. A estrada está asfaltada até Guarani, depois são mais 45 km de estrada de terra. Outra alternativa é a estrada mais longa, asfaltada até São Domingos e depois mais 50 km de estrada de terra. Todos os anos ocorre a Festa do Bom Jesus da Lapa de Terra Ronca, onde se reúne moradores das cidades vizinhas, celebrando casamentos e batismos na entrada da caverna Terra Ronca.




Uma dúvida me incomoda bastante, afinal, o parque ainda é desconhecido pela maioria dos Goianos e viajantes brasileiros. Me ponho a questionar se a dificuldade de acesso é o verdadeiro problema para o turismo ali ser tão pouco? Hoje são apenas apenas 45 km de estrada de terra e meu carro extremamente baixo (Fusion) rodou tudo por lá. Ou talvez os mistérios que as cavernas exercem sobre as pessoas seriam fato prejudicial para a explosão do turismo? Medo? Ou a dificuldade de preservação do ambiente caso exploda o turismo? Digo mais, não seria a falta de interesse em investir no turismo por parte do nosso governo? Certamente esse descaso do governo é muito ruim, faz com que esta região com potencial enorme para o ecoturismo fique parada no tempo, entretanto, olhando o lado bom, pelo menos ainda é um lugar preservado e extremamente virgem. Uma pena quase ninguém conhecer uma região rica como esta.

O Parque Estadual Terra Ronca além de ser um dos maiores sítios de cavernas e grutas da América Latina, com muitas delas ainda não mapeadas, possui um cerrado enorme, há rios, veredas, cachoeirinhas e morros esculpidos pelos ventos. Tudo isso se deve à ação dos rios que nascem perto dali na Serra Geral e encontram maciços de rochas calcárias dentro do Parque. Uma tia minha visitou o parque na década de oitenta e comentou comigo sobre a caverna Terra Ronca. Assim, nas minhas primeiras férias há 4 anos atrás, resolvi conhecer e passar uma semana por lá, sozinho, desbravando um mundo novo, escuro e totalmente diferente. Tudo isso embaixo da terra. Vamos?

É bom não esquecer de levar uma boa bota de caminhada, repelente, mochila com lanche, água, lanternas de cabeça e a normal, barraca, comida, encher o tanque de combustível na última cidade antes de entrar no parque e papel higiênico.


A gruta de Terra Ronca é a mais conhecida da região e tem esse nome devido ao ruído interno causado pelo rio que passa por ali e amplificado pela gruta. Está a 200 m da casa do Ramiro, guia e morador dali e a 11 km de São João. A grandiosidade de sua entrada é incrível, uma boca enorme com 90 metros de altura! Lembro que havia um monte de araras e periquitos da primeira vez que fui. O canto da arara ecoando na entrada não existe igual, coisa de cinema. Na entrada há um altar, onde é realizada a Festa do Bom Jesus da Lapa. Poucos metros adiante atravessei o rio e me vi em um salão enorme, imenso na verdade, de um lado tudo escuro, do outro a boca da caverna e a luz lá fora. Me perguntava... teria bichos? Era perigoso? Bem, vamos descobrir... Tirei um milhão de fotos...



Estava em êxtase e super empolgado com aquela grandeza de lugar. Mais uma aventura! Apenas eu e o guia Ramiro (logo vou falar dele). Fui subindo as pedras e observando a formação de calcário e descobri que estalactites são as formações do teto de cima e as estalagmites as formações de baixo, resultante do gotejamento das estalactites. Descobri também que elas demoram muito para crescer, mais de ano para crescer apenas um centímetro e que todo aquele ecossistema vivo está ali sendo formado há milhões de anos! Putz!!




Logo tinha uma corda ou outra para apoiar entre as pedras enormes. Estava embaixo da terra no escuro com a luz da lanterna e a luz do carbureto no capacete. Foram quase 2 kms até sair do outro lado para pegar a trilha e voltar para buscar o carro. Vale lembrar que para entrar nas cavernas é necessário contratar um guia, apenas eles sabem o caminho, afinal é tudo escuro, passando dentro de rios, pedras, sendo um verdadeiro labirinto. Algumas pessoas já morreram nessas cavernas, então, não entre sem um guia. O parque tem opções para todos os gostos, cavernas de fácil acesso, e outras que exigem alto nível técnico, cordas e rapel. Levei lanterna forte, pilhas e uma máquina com flash, afinal, tudo escuro por lá.






A pessoa que mais conhece o Parque é o Ramiro e seus dois filhos, Willam Nanim e Kiko. Cresceram e moram ali desde então. Os verdadeiros desbravadores daquela região. O legal do Ramiro e dos seus filhos além da experiência, é que ele realmente gosta de ser guia, faz com amor, levar alguém nas cavernas é o máximo, e isso eu admiro neles. Alguns moradores do povoado de São João como o João Paulo também guiam em algumas cavernas. A diária atualmente está R$120,00, podendo ser repartido pela quantidade de pessoas do grupo. Todas as vezes que vou eu levo alguns objetos que quase não uso e não estão servindo mais em mim e dou para eles. Quanto ao telefone, esquece, só pega na torre do mirante. Aproveite para curtir o lugar, meditar, refletir e viver! Sem whatsapp por favor. 

https://www.facebook.com/ramiroterraronca/
Ramiro Guia cel: 62 996662767
William Nanim guia cel: 999477483




No povoado de São João existem algumas pousadas, uma que fiquei duas vezes foi a Estação Lunar, de um professor de fotografia de Brasilia chamado  e 96149231. Hospedei duas vezes lá, bem aconchegante e com refeiçoes inclusas no pacote. Preço é um pouco alto por ser um das únicas opções por ali, mas vale a pena. Outra opção é acampar lá no povoado. O pai do guia João Paulo tem uma área de camping, mas não fiquei lá. Tem a pousada São Mateus e a Alto da Lapa que nunca hospedei nelas também

Edmar Cel: 61 30452483 e 61 996149231
João Paulo guia cel: 999900761


Pousada Estação Lunar

Casa do Guia Ramiro
A opção que mais gostei foi a de acampar no fundo da casa do meu amigo Ramiro, o guia mais renomado dali. Revê-lo e relembrar as os trajetos é sempre bom. A área de camping é limpa e bem selvagem. Ele está construindo dois quartos que em breve estarão prontos também para os turistas. Acordei com uma Arara Azul em um tronco do lado da barraca me dando bom dia!






Terra Ronca II
A caverna Terra Ronca II fica atrás da primeira. Existe uma trilha depois da Terra Ronca I passando por trás da primeira caverna, uma caminhada de meia hora até a boca da caverna. Uma boca mais estreita, porém muito mais alta que a primeira com 120 metros de altura. Detalhe, por ali existem algumas vias de escalada, no parque são 70 vias, e para quem tiver com equipamento, vale a pena se aventurar. O percurso é praticamente todo feito dentro do rio, com água na canela e ora na cintura, atravessando de um lado para o outro até algumas partes secas e em alguns salões. Existe um salão enorme por ali, o Salão dos Namorados, repleto de estalactites que se encontram com as estalagmites formando colunas grossas e enormes, cheia de estalactites parecendo estar em uma boca de um monstro enorme e a única caverna que encontrei 4 tipos de aranhas diferentes.



Fui com Nanim, filho do guia Ramiro e nesse salão fizemos um apagão ficando alguns minutos no verdadeiro submundo da Terra, a verdadeira escuridão, sem ouvir nem ver nada, mesmo com os olhos abertos e atento a qualquer movimento que sequer existia. Adorei. O nível de dificuldade é um pouco maior que a Terra Ronca I, já que tem muitas pedras, caminha bastante e é necessário cruzar o rio várias vezes com água até na cintura. Acabei jantando na casa do Ramiro e depois fui dormir na barraca.




Outra opção é a Caverna Angélica que tem acesso mais fácil e com muitos salões. Está a 36 km de Terra Ronca e 25 do Povoado de São João, tudo estrada de terra e no caminho mirantes e veredas. É a ultima caverna do parque antes da cidade de São Domingos e a mais extensa com 14 km para fazer a travessia dentro dela e uma das dez maiores do Brasil. Tem uma praia na entrada da caverna, onde passa o rio Angélica e logo adentra-se nos seus salões.


Entrada da Angélica

Gruta Angélica
Um verdadeiro labirinto, bastante quente e abafado por lá. Várias cortinas com cores vermelhas, brancas, formações como a boca de tubarão, salão dos canudos, salão dos espelhos onde um monte de estalactites são refletidos na água conforme a posição das luzes que o guia faz. Bem lindo. Sabe aqueles filmes de terror, onde uma sombra parece um monstro, tipo isso, lindo, novo e incrível. Fizemos um apagão por lá com um grupo de crianças de brasília. Elas não paravam de conversar com medo do escuro! Risos. Hora quente, hora abafado, hora o vento batendo. Uma curiosidade por lá é a riqueza paleontológica nessa caverna, com alguns fósseis entre as rochas. Não achei nenhum registro de estudos a fundo sobre eles publicados na internet, apenas o conhecimento de suas descobertas pelo Ramiro e nada mais.



Gruta São Bernardo
Já a Caverna São Bernardo fica a 16 km de distância do povoado, estrada repleta de pedras, mas dá para passar mesmo com carro baixo. A boca da caverna é bem parecida com a de Sao Mateus. Descemos 80 metros entre pedras, atravessando o rio São Bernardo com água até o joelho. Seguimos o rio até as galerias secas, salão do encontro, ninho de pérolas, cortinas de travertinos. Depois de 1 km chegamos no encontro das cavernas, onde dentro da caverna o rio São Bernardo encontra com o rio Palmeiras. Apenas nesse local, a quantidade de mosquitinhos é enorme, eles entraram aos milhares nos meus olhos e incomodaram bastante. Grau de dificuldade um pouco grande na descida da boca da caverna, alguns trechos dentro da água, um pouco perigoso apenas na época da chuva, como atravessar o rio no escuro apenas com a luz do capacete, equilibrando entre as pedras.

Cachoeira das Palmeiras
Outro lugar para visitação é a cachoeira do Rio Palmeira, próximo a Caverna São Bernardo. Água limpa, refrescante, vegetação bem selvagem. Muito lindo. Tem um mirante onde você pode ver as quedas das duas cachoeiras de longe.


Gruta São Mateus
Outra gruta que eu adoro é a São Mateus. A estrada é bem complicada, cheia de pedras e bancos de areia enormes, quase fiquei atolado, a emoção começa por aí. Detalhe para a entrada! Não existe abertura na boca da caverna, apenas um pequeno espaço entre as pedras! Como entrar? Uma aventura de contorção, chega a ser um pouco difícil. É necessário arrastar o corpo nas pedras, engatinhar, segurar em corda e o melhor, só passa uma pessoa por vez pela abertura! Depois é só descer e descer! Muito cuidado pois se sair da trilha, você pode cair em buracos enormes, fundos, e perigosos! Depois de descer mais de 100 metros abaixo da terra chega-se no rio São Mateus.



Havia partes que andei no rio embaixo da terra, e fui até onde a água entrava e fazia um barulho enorme, um eco bem alto da água passando pelas pedras. Imagina se aparece algum bicho desconhecido justamente na hora que estou por lá? Ainda bem que não existe nenhum monstro por lá, mas no primeiro momento a gente imagina de tudo naquela escuridão inabitável. Risos. A primeira vez que fui lá, entrei com minha ex-namorada e deu um certo medo daquele lugar, da última vez foi bem tranquilo. Uma das cavernas mais bonitas, com o salão dos 700, as formações são cheias de detalhes, bastante gotejamento das estalactites, bem viva a caverna.




É possível fazer um passeio a cavalo pela região de São João com um senhor chamado Sebastião e conhecido como seu Batico. Algo entre R$100,00 a diária, sendo possível andar de cavalo e conhecer mais a região. Ele me levou em uma serra na divisa com a Bahia da primeira vez que fui ao Parque. Subimos muito e pude ver o cerrado de Goiás, e do lado da serra a planície na Bahia, um mundo infinito de plantações e extremamente reto. Bem chocante a mudança de paisagens. 














Andamos o dia inteiro a cavalo, passando pelos três morros e entrando nas veredas, um jardim natural existente ali. Ficamos com medo dos animais pisarem em alguma cobra mas nada de mais aconteceu. Experimentei uma frutinha chamada Puçá, uma fruta parecida com jabuticaba, bem amarelada por dentro e doce. Comi muito cajuzinho e até a fruta do Conde. No fim do dia estávamos exaustos.





Fruta do Conde
Gruta São Vicente
Uma última caverna para relatar aqui é a São Vicente. Duas vezes eu queria entrar nela e não tinha como. Depois de muito insistir, a última vez eu consegui ir com o guia. É uma caverna de acesso difícil, necessário fazer rapel várias vezes, sendo o acesso apenas com rapel. A boca da São Vicente tem oitenta metros de altura, uma graminha na entrada, e o rio passando por ali. Achamos pele de cobra ali, sinal que tinha alguma por perto. Quanto mais andávamos no rio adentrando a caverna, a luz ia diminuindo até extinguir. Apenas a luz do carbureto no capacete e cordas nos ombros.




Dentro dela existem 12 cachoeiras e fomos apenas até a Garganta, quarta cachoeira. Primeiramente você desse de rapel entre as pedras, algo entre dez metros de altura, atravessa o rio e vai apenas ver a segunda cachoeira. O barulho de água é extremamente forte, depois tem mais um rapel de 6 metros ao lado da terceira cachoeira. Fiquei com medo de cair ali e a correnteza me levar caverna adentro. Tive a sensação de perigo, logo a adrenalina subiu. O máximo! Tudo a flor da pele mas bastante seguro. Guia e equipamento completo. Emoção. Ouvi o coração da caverna batendo, um barulho ensurdecedor de água. O local é chamado de Garganta. Sentamos e fizemos um apagão para apreciar o barulho tremendo da água. Tudo isso no escuro. Que lugar extremamente vivo, perigoso e legal.

Enfim, pude conhecer diversos tipos de frutos, bichos, aranhas, ambiplígios (parente das aranhas e caranguejos, mas sem veneno) e descobrir um mundo novo. Um mundo escuro, sem luz, embaixo da terra, mas quando iluminado, repleto de detalhes, beleza e vida. Muitas histórias para contar. Aprendi bastante. Vi diversos tucanos, araras, um guaxo (joão congo), macacos prego, saguis, periquitos, e um papagaio. Até uma luta entre arara com guaxo e sapo com cobra. O Parque ainda é um lugar pouco conhecido por nós, não valorizado pelo governo, e mesmo assim continua sendo uma lugar lindo e rico. Espero que tenham gostado caros leitores e quando surgir a oportunidade, experimente conhecer e aventurar no Parque Estadual Terra Ronca - Goiás. Boa sorte e até a próxima!