Era madrugada, não havia dormido muito, o corpo ainda bem dolorido, cansado. Lá vai eu, sem noção, escalar a Huayna depois de muitos dias de atividade desgastante, mas pelo menos eu estava bem fisicamente. Huayna Potosi é uma montanha com 6088 metros de altitude, uma das rotas mais escaladas da Bolívia, e uma das montanhas mais belas do país.
Iria fazer a montanha em dois dias, e não em três como as pessoas fazem. Em três dias você consegue aclimatar bem e chegar ao topo. Em dois dias para quem já está bem aclimatado e com condicionamento físico muito bom. Eu, acreditando ser o super-homem, corpo cansado, acreditando que mesmo assim seria moleza. Havia me preparado um mês inteiro para escalar. Corria todos os dias, matriculei em uma academia de escalada em rocha, evitei beber, no intuito de ganhar mais força, para chegar bem e no topo da montanha. La vai eu nessa aventura...
A van passou no meu hostel cedinho e fui provar as roupas de frio e botas.
Em seguida o restante do grupo chegou e encheu a van. Novamente, apenas eu de brasileiro no grupo. Demorou algumas horas até chegarmos na base de uma montanha , no refugio Casa Blanca (4800m), onde havia uma hidrelétrica e um acampamento. Havia um pessoal que estava lá aclimatando e que iria subir conosco. Almoçamos e logo em seguida iniciamos a subida ao refúgio Campo Alto (5130 m).
Lembro que passamos por trás da hidroelétrica, equilibrando em uma mureta como se fosse um meio fio, só que com um abismo do lado e logo estávamos subindo entre as pedras. Éramos umas dez pessoas e dois guias. Estava de dia, nevando, e demoramos mais de hora para chegar ao refúgio. No caminho pagamos uma taxa, assinamos um livro, fizemos uma pausa e logo em seguida voltamos a subir. Havia muitas pedras, a respiração ficava ofegante o tempo todo, começava a sentir o temível mal da altitude, e parecia que só eu estava com fraqueza nas pernas. Aquele peso na mochila estava acabando com minhas forças, e isso porque nem havia começa a subida, sequer tínhamos chegado ao refúgio.
Depois de uma eternidade chego ao acampamento e é um alívio tirar aquele peso de minhas costas. Parecia que minha mochila estava pesando mais de 50 quilos, quando na verdade era uns 10 quilos.
Assista em: https://www.youtube.com/watch?v=15GHkIyoXYk
Em seguida todos fomos dormir, afinal tínhamos 7/8 hrs de descanso para começar a verdadeira subida ao pico da Huayna Potosi.
Dor de cabeça e dor de barriga...
Nao conseguia dormir ...
Tudo pronto. Partimos. Eu, a francesa e o guia. Forças recuperadas. Já era uma hora da manhã. Entre -10 e -15 graus. Estava todo agasalhado, botas, crampons, piolet, e ate um tubo de oxigênio na minha mochila. Sentia frio apenas no nariz e estava tranquilo até então. Lanterna na cabeça e a luz da lua eram minha única luz pelo caminho.
Subíamos em ziguezague, hora ou outra ele alertava para ter cuidado com as gretas. Greta é um buraco na neve as vezes tampado pela própria neve, se cair já era. Eu passava do lado, olhava para baixo e não via o fundo do buraco. O buraco estava a um passo do meu pé. Parando para pensar hoje, era um puta de um suicídio, pois, se cair..., ninguém conseguiria tirar o corpo de lá. Por isso os grupos saem de madrugada, para não correr o risco de pegar uma nevasca, que geralmente vem durante o dia, e tampa essas gretas. Assim de noite elas estão relativamente visíveis, alem de se ver o caminho e os pontos de referência que só os guias conhecem. Uma corda segurava a francesa no guia e eu na francesa. Um filme passava na minha cabeça.
Estava perdendo minhas forças, com muito frio, com o coração acelerado. Me veio todo o treino que tinha feito durante um mês, pensado em desistir várias vezes, e mesmo assim eu estava lá firme. Passei a subir olhando para meus pés, sem pensar em nada, só no caminho de volta e refletir: "eu subo mas não terei forças para descer." E foi isso que aconteceu. Eu lembrava o tempo todo do último telefonema da minha mãe dizendo para eu não ultrapassar meus limites, que era para eu ter consciência que poderia morrer, se passasse mal era para descer. E quando não tinha mais forças, não sentia as batatas das pernas, não sentia dos dedos das mãos nem meus pés, o tubo de oxigênio acabado, coração a 200 por hora, faltando apenas 200 metros para o pico, eu desisti.
Eu achei que poderia morrer se continuasse. Foi assim que cheguei ao meu extremo, ao meu limite. O guia parou, disse que aquela era a reta final, e que se eu nao tivesse bem, eu teria que voltar, pois prejudicaria o grupo e principalmente eu mesmo. Uma experiência incrível e fantástica, cheguei a exaustão. Longe de qualquer comparação com teste físico, ou cansaço feito durante uma partida de futebol de 90 minutos quando eu jogava até meus 20 anos. Bem, sentei na neve, cabisbaixo, querendo chorar, esperando um outro guia subir para vim me buscar, afinal o meu guia continuaria a reta final com a francesa. Eles chegaram ao topo. Eu havia fracassado. Estava decepcionado comigo mesmo. Após alguns minutos um guia me buscou e comecei a descer. Foi tranquila a descida e passei a contemplar a montanha, a neve, e consegui conversar. Depois de uma hora eu cheguei ao acampamento, tomei chá de Coca, entrei no saco de dormir e apaguei. Estava exausto. O pico, visto só pelas fotos da francesa que chegou toda queimada do sol depois das 9 hrs da manhã, mas com um sorriso e uma alegria fenomenal. Fiquei feliz por ela.
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