sábado, 9 de abril de 2016

Huayna Potosí - Bolívia

Era madrugada, não havia dormido muito, o corpo ainda bem dolorido, cansado. Lá vai eu, sem noção, escalar a Huayna depois de muitos dias de atividade desgastante, mas pelo menos eu estava bem fisicamente. Huayna Potosi é uma montanha com 6088 metros de altitude, uma das rotas mais escaladas da Bolívia, e uma das montanhas mais belas do país.







Iria fazer a montanha em dois dias, e não em três como as pessoas fazem. Em três dias você consegue aclimatar bem e chegar ao topo. Em dois dias para quem já está bem aclimatado e com condicionamento físico muito bom. Eu, acreditando ser o super-homem, corpo cansado, acreditando que mesmo assim seria moleza. Havia me preparado um mês inteiro para escalar. Corria todos os dias, matriculei em uma academia de escalada em rocha, evitei beber, no intuito de ganhar mais força, para chegar bem e no topo da montanha. La vai eu nessa aventura...




A van passou no meu hostel cedinho e fui provar as roupas de frio e botas. 

Em seguida o restante do grupo chegou e encheu a van. Novamente, apenas eu de brasileiro no grupo. Demorou algumas horas até chegarmos na base de uma montanha , no refugio Casa Blanca (4800m), onde havia uma hidrelétrica e um acampamento. Havia um pessoal que estava lá aclimatando e que iria subir conosco. Almoçamos e logo em seguida iniciamos a subida ao refúgio Campo Alto (5130 m). 






A minha mochila só tinha o essencial, que era o capacete, os crampons, botas duplas, piolet, balaclava, luvas, polaina, saco de dormir, água e um pouco de comida, mas mesmo assim estava muito pesado. A subida até o acampamento base foi uma eternidade e um sacrifício. Tinha bastante neblina e começou a nevar, sem contar o peso que eu sentia da minha mochila. Com 15 min de subida minhas pernas já estavam fadigadas do dia anterior por ter feito a estrada da morte e eu já começava a fazer oração para aguentar a subida.
Lembro que passamos por trás da hidroelétrica, equilibrando em uma mureta como se fosse um meio fio, só que com um abismo do lado e logo estávamos subindo entre as pedras. Éramos umas dez pessoas e dois guias. Estava de dia, nevando, e demoramos mais de hora para chegar ao refúgio. No caminho pagamos uma taxa, assinamos um livro, fizemos uma pausa e logo em seguida voltamos a subir. Havia muitas pedras, a respiração ficava ofegante o tempo todo, começava a sentir o temível mal da altitude, e parecia que só eu estava com fraqueza nas pernas. Aquele peso na mochila estava acabando com minhas forças, e isso porque nem havia começa a subida, sequer tínhamos chegado ao refúgio.

Depois de uma eternidade chego ao acampamento e é um alívio tirar aquele peso de minhas costas. Parecia que minha mochila estava pesando mais de 50 quilos, quando na verdade era uns 10 quilos.


Antes de jantarmos, eram umas 4 hrs da tarde, saí na porta do acampamento, tirei umas fotos e logo fomos comer. Não aguentava mais comer sopa, chá de coca, e fiquei só no chocolate, no carboidrato em gel, Gatorade e nas barras de proteína que tinha levado. O banheiro era do lado de fora e não tinha luz. Havia um balde e um galão de água para jogar no vaso sanitário. Me deu uma tremenda dor de barriga. Um boliviano tinha acabado de usar o banheiro... Só a lanterna ligada... Bem, começava a não ter muito nojo das coisas... me superando a cada dia... Lá vou eu no banheiro com dor de barriga... no escuro...
Em seguida todos fomos dormir, afinal tínhamos 7/8 hrs de descanso para começar a verdadeira subida ao pico da Huayna Potosi. 






Dor de cabeça e dor de barriga...
Nao conseguia dormir ...

Não consegui dormir, e minha cabeça explodia. Eu levei Diamox e Soroche pills, mas não quis tomar nenhum com medo de morrer na montanha. Meia noite e meia levanto, tomamos desayuno colocamos os equipamentos, botas, segunda pele, uma verdadeira armadura. Meu grupo era o guia boliviano, uma francesa bem linda e eu. Haviam 6 guias e cada um levava duas pessoas. Duas pessoas passaram mal e ficaram no refúgio sem sequer tentar a subida. Seriam mais de 6 hrs de subida para ver o sol nascer. Será que eu conseguiria? Eu me perguntava o tempo todo, se meu corpo aguentaria o frio, a altitude, o fato de não ter dormido nem descansado. Como seria?
Tudo pronto. Partimos. Eu, a francesa e o guia. Forças recuperadas. Já era uma hora da manhã. Entre -10 e -15 graus. Estava todo agasalhado, botas, crampons, piolet, e ate um tubo de oxigênio na minha mochila. Sentia frio apenas no nariz e estava tranquilo até então. Lanterna na cabeça e a luz da lua eram minha única luz pelo caminho.

Bem, o que se passou daqui para frente foi uma verdadeira eternidade. A neve refletida pela lua. Aquele deslumbre de neve por todo lado, e a enorme dificuldade de andar com crampons durante a subida. Eu ouvia minha respiração o tempo todo, sentida a pulsação do meus batimentos aumentando e logo os grupos se distanciaram uns dos outros. Depois de mais de duas horas de subida, minhas pernas simplesmente endureceram. Eu sentia meus pés congelados, apesar de estar com botas apropriadas. Os crampons às vezes se soltava e o guia voltava para colocar. Depois de duas hrs de caminhada o frio era tremendamente enorme e passei a sentar na neve, a tirar a luva e pegar o tubo de oxigênio para respirar. A cada vez que fazia isso o guia me enchia o saco e dizia "força Brasil, vamos Brasil!". A cada vez que eu fazia isso eu tinha que tirar a luva, e meus dedos congelavam. A francesa estava bem, havia aclimatado um dia a mais que eu e sequer sentia fadiga. O guia soltava uns uivos, dizia ele que era necessário para conseguir subir. Eu sequer tinha forças para dar o próximo passo.

Subíamos em ziguezague, hora ou outra ele alertava para ter cuidado com as gretas. Greta é um buraco na neve as vezes tampado pela própria neve, se cair já era. Eu passava do lado, olhava para baixo e não via o fundo do buraco. O buraco estava a um passo do meu pé. Parando para pensar hoje, era um puta de um suicídio, pois, se cair..., ninguém conseguiria tirar o corpo de lá. Por isso os grupos saem de madrugada, para não correr o risco de pegar uma nevasca, que geralmente vem durante o dia, e tampa essas gretas. Assim de noite elas estão relativamente visíveis, alem de se ver o caminho e os pontos de referência que só os guias conhecem. Uma corda segurava a francesa no guia e eu na francesa. Um filme passava na minha cabeça.

Estava perdendo minhas forças, com muito frio, com o coração acelerado. Me veio todo o treino que tinha feito durante um mês, pensado em desistir várias vezes, e mesmo assim eu estava lá firme. Passei a subir olhando para meus pés, sem pensar em nada, só no caminho de volta e refletir: "eu subo mas não terei forças para descer." E foi isso que aconteceu. Eu lembrava o tempo todo do último telefonema da minha mãe dizendo para eu não ultrapassar meus limites, que era para eu ter consciência que poderia morrer, se passasse mal era para descer. E quando não tinha mais forças, não sentia as batatas das pernas, não sentia dos dedos das mãos nem meus pés, o tubo de oxigênio acabado, coração a 200 por hora, faltando apenas 200 metros para o pico, eu desisti.

Eu achei que poderia morrer se continuasse. Foi assim que cheguei ao meu extremo, ao meu limite. O guia parou, disse que aquela era a reta final, e que se eu nao tivesse bem, eu teria que voltar, pois prejudicaria o grupo e principalmente eu mesmo. Uma experiência incrível e fantástica, cheguei a exaustão. Longe de qualquer comparação com teste físico, ou cansaço feito durante uma partida de futebol de 90 minutos quando eu jogava até meus 20 anos. Bem, sentei na neve, cabisbaixo, querendo chorar, esperando um outro guia subir para vim me buscar, afinal o meu guia continuaria a reta final com a francesa. Eles chegaram ao topo. Eu havia fracassado. Estava decepcionado comigo mesmo. Após alguns minutos um guia me buscou e comecei a descer. Foi tranquila a descida e passei a contemplar a montanha, a neve, e consegui conversar. Depois de uma hora eu cheguei ao acampamento, tomei chá de Coca, entrei no saco de dormir e apaguei. Estava exausto. O pico, visto só pelas fotos da francesa que chegou toda queimada do sol depois das 9 hrs da manhã, mas com um sorriso e uma alegria fenomenal. Fiquei feliz por ela.

Hoje, com outra cabeça, penso que não desisti. Penso que me superei e conheci mais os meus limites e o meu corpo. Foi uma puta de uma experiência e preciso voltar lá e vencer aquela montanha, Huayna Potosi. Talvez se eu tivesse descansado um dia inteiro, e aclimatado mais um dia eu teria conseguido. Não me arrependo de ter pecado nos meus excessos. Foi uma puta de uma subida.





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